Estamos diante de uma revolução tecnológica que está transformando a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos, conhecida como Indústria 4.0. Para acompanhar esse movimento natural de transformação é preciso que a sociedade construa um novo ‘mindset’ e uma nova consciência.
Mas, ao que parece, o Estado Brasileiro ainda não percebeu esta revolução mundial e, ao invés de incentivar a tecnologia por meio de programas e apoio ao setor, acaba restringindo o desenvolvimento das empresas de tecnologia.
Um exemplo recente foi a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de proibir a cobrança de taxa de conveniência de uma empresa de venda de ingressos online. O fato é que, por trás de todas as facilidades e conforto proporcionados pela tecnologia, existe um custo, um valor, assim como qualquer outro tipo de negócio ou serviço.
A taxa de conveniência é cobrada por essas empresas para fornecer a tecnologia e o gerenciamento de todo o processo de compra, emissão e validação dos ingressos.
Para que isso aconteça, é necessária uma equipe qualificada em diversas áreas, como marketing, programação, vendas, entre outras. Também é preciso considerar o investimento constante em segurança para oferecer um serviço online de qualidade ao consumidor, e alguém pagará esta conta, afinal empresas existem para dar lucro.
É óbvio que, se este serviço não for cobrado, será imputado diretamente no ingresso, trazendo mais ônus à sociedade, pois ao invés de ser cobrado somente de quem quer a conveniência, será pago por todos. Aliás, é o que sempre acontece quando o Estado interfere na livre economia.
Diante desse fato, a decisão do STJ mostra que o pensamento em relação ao futuro tecnológico ainda precisa avançar. No lado da medicina diagnóstica, por exemplo, tivemos a certificação digital que, também por decisões prematuras de legislações e portarias, foi recentemente chancelada, para ser usada no setor de saúde em resultados de exames laboratoriais.
A medida tinha o intuito aparentemente benéfico de, em tese, dar “autenticidade” a um exame laboratorial, mas que operacionalmente era totalmente antagônica aos processos internos de um laboratório, coibindo por exemplo o uso de liberação automatizada, entre outras consequências.
Embora a certificação digital traga um grande benefício por um lado, na sua essência, até colocando o Brasil como referência no assunto, sabemos que, na prática, nossas senhas e certificados são liberados para outros usuários, visto a impossibilidade operacional. Isso nos faz, no mínimo, questionar o seu real benefício e novamente pensar que a tecnologia em si não é uma solução ou um risco, e sim que para usufruir desta revolução, o contexto e o mindset têm de ser evoluído.
Outro tema que vem sendo muito discutido é a origem e destino de impostos quando usamos plataformas digitais onde o mundo passa a ser o território de uma empresa, e não mais um município ou estado.
Municípios, estados e o país criam leis para colocar limites neste ‘novo território’, na tentativa de garantir o recolhimento de impostos ou até mesmo de poupar a oneração de serviços ao consumidor e acabam limitando o desenvolvimento das empresas de tecnologia e, em consequência, freando a evolução do país, da sociedade e das empresas, o que é um risco gigante quando pensamos no que se transformará o planeta nesta era digital.
Legislar é fundamental para garantir direitos da sociedade, mas é essencial entendermos este novo cenário em que vivemos e para onde caminhamos.
Enquanto o mundo todo aposta na disruptura tecnológica e gera novos negócios que transformam nosso cotidiano, a recém decisão do STJ e algumas decisões do legislativo e órgãos regulamentadores caminham para o retrocesso. Não podemos voltar ao mesmo mindset da reserva de mercado, que um dia deixou o Brasil pelo menos 10 anos atrás de outros países.
Vale uma grande cautela e uma nova postura para que possamos, de fato, aproveitar e usufruir de todos os benefícios do mundo digital em que estamos vivendo.
Afinal, é um caminho sem volta, e a conveniência e o conforto da mobilidade são o centro de agregação de valor na vida e nos negócios. Espero que o ‘país do futuro’, como o Brasil sempre foi chamado, de fato, entre no presente que lhe permita um futuro sustentável, pois o passado já se foi.
Desta forma, o desenvolvimento de um novo mindset será crucial para que aproveitemos de maneira social e econômica da quarta revolução industrial, que será a mais rápida, ampla e profunda de todos os tempos.
*Marcelo Lorencin é presidente da Shift, empresa de Tecnologia da Informação voltada para medicina diagnóstica e preventiva
FONTE: Estadão Política / Blog Fausto Macedo