Entre altos e baixos, duas crises econômicas e profundas transformações na sociedade e no comportamento do consumidor, o varejo brasileiro conseguiu crescer 27,9% na última década, segundo levantamento da Boa Vista.
Neste período, houve um segmento que se destacou e cresceu num ritmo quase quatro vezes superior ao varejo, e acima do setor de serviços: o franchising.
O sistema, baseado em transferência de know how que oferece marca, ganho de escala e suporte ao franqueado, foi um dos menos afetados pela crise, e leva vantagem em termos de inovação, já que os franqueadores buscam constantemente formas de melhorar os processos para replicar na rede.
Alinhar o franchising a esse novo momento do mercado para estar cada vez mais incluso no processo de digitalização do varejo é um dos principais desafios da nova gestão da Associação Brasileira de Franchising (ABF), agora presidida por André Friedheim, máster-franqueado da rede Café do Ponto e sócio-diretor da Francap no biênio 2019-2020.
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Ex-diretor internacional, de marketing e vice-presidente da entidade na gestão anterior, Friedheim afirma que a principal proposta dessa gestão será tornar a ABF “mais ágil, mais moderna e digital” – o que inclui o lançamento de um programa de mentoria com os principais líderes das franquias no Brasil, além de parcerias com startups para buscar soluções baratas e tecnológicas de gestão para as redes.
“É usar a disrupção em benefício do associado”, afirma.
Em entrevista ao Diário do Comércio, Friedheim discorreu também sobre metas de crescimento, internacionalização e tendências para 2019. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Mesmo com resultados acima do PIB nos últimos anos, por conta do crise a última vez em que o franchising cresceu dois dígitos em faturamento foi em 2013 (10,2%). Fale um pouco sobre a meta da ABF de o setor voltar a esse patamar em 2019:
Devemos cumprir essa meta graças a alguns fatores simples: as marcas de franquia, que são bastante familiares aos consumidores, têm conseguido se destacar em momentos como esse.
Mesmo saindo da crise, ainda vivemos momentos conturbados e, para dar mais segurança na hora da compra, o consumidor prefere apostar em marcas conhecidas e em conceitos de negócio consagrados. Por outro lado, se nesse momento de juros baixos eu deixar dinheiro parado na poupança ou outro ativo, a taxa de remuneração será de apenas 6%.
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Muitos acabam investindo esse dinheiro na economia real, e a melhor forma de montar um negócio para obter uma remuneração expressiva é aplicar esse capital em franquias, que têm marca, ganho de escala, propaganda e compras em rede.
É a tal tempestade perfeita: neste momento, investir em uma rede de negócios é mais seguro do que num negócio independente. Por isso, a tendência é de o franchising crescer dois dígitos, no total, puxado pelo aumento pelo número de unidades, que devem crescer 5%, totalizando 7,8 mil novas operações de franquias em 2019.
Com experiência de mais de 12 anos de ABF, o sr. disse que a nova gestão tem como principais propostas tornar a entidade “mais ágil, mais moderna e digital.” Explique.
A ideia é inseri-la cada vez nesse novo momento do mercado. Estamos lançando um programa de mentoria e acesso a novos franqueados, para que eles conheçam o franchising e possam discutir e resolver seus problemas e desafios.
Também devemos tornar nosso aplicativo mais amigável aos associados, dando maior representatividade aos nossos comitês -como food service, educação, mulheres, shoppings e fornecedores -, além de incluir agora o de internacionalização.
Queremos deixar todos esse temas nas mãos dos nossos associados de um jeito mais moderno, para que eles possam se inspirar em outros modelos de negócios inovadores.
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Vamos trazer também para os associados formas de se destacar nas mídias sociais, promover hackathons de inovação e mentorias vindas de outras indústrias.
Estamos buscando soluções com novas startups para controlar estoque, gerenciar caixa e fazer comunicação eficiente entre as redes, soluções essas que hoje podem ser feitas de forma mais barata e tecnológica. Em resumo, é usar toda essa disrupção em benefício do associado.
Também continuaremos formando novos líderes, através de capacitação e formação pelo nosso MBA Gestão de Franquias, realizado em conjunto com o PROVAR/FIA (Programa de Administração de Varejo da Fundação Instituto de Administração).
Falando em tecnologia, como as redes de franquia conduzem o conceito omnichannel junto aos franqueados?
O consumidor já é multicanal. Ele quer comprar determinado produto num momento em que viu no shopping enquanto passeava com a famíla, receber em casa o produto que viu no site, comprar do catálogo que ele viu enquanto estava no cabeleireiro… E para atender esse consumidor moderno, a empresa também tem que ser multicanal, ter todos esses canais integrados de maneira fluida para que ele seja atendido onde estiver.
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Então, 45% das empresas do setor já enxergaram isso e adaptaram seus processos envolvendo os franqueados. Pensando numa questão logística, por exemplo, se sou uma rede de São Paulo e um consumidor de Manaus (AM) comprar por meio de meu site, é muito mais barato entregar esse produto na da loja que possuo nessa cidade do que mandar um pacote de São Paulo. É um exemplo simples de como integrar o franqueado na operação.
Através do picking(termo que define o processo logístico de localização e coleta de um produto após a venda), o cliente pode retirar o produto e trocar, se for preciso, na loja de Manaus.
Esse é o modelo da multicanalidade aplicado em rede.
Quais as redes que já fazem isso na prática?
O Boticário, por exemplo, já colocou seus próprios franqueados para fazer vendas porta-a-porta e através do site. Mas qualquer segmento pode adaptar suas complexidades e sua dinâmica para criar uma estratégia multicanal conjunta. A grande vantagem do franchising, neste caso, é a capilaridade: ter pontos de venda em locais diferentes para vender, entregar ou fazer trocas onde o consumidor estiver.
Quais as principais tendências ou insights para 2019 que a ABF captou na última NRF?
Além da digitalização e do omnichannel, essa edição da NRF (congresso mundial de varejo realizado em Nova York) reforçou mais um pouquinho que o varejo físico não morreu, que não aconteceu o tal “apocalipse do varejo” como haviam profetizado. Nos Estados Unidos, o saldo positivo foi de 2 mil novas lojas em 2018, ou seja, mais abriram do que fecharam. Aqui no Brasil ocorreu o mesmo.
Por isso, a grande mensagem dessa edição é que a loja física precisa ter relevância para o consumidor. Com toda a tecnologia à disposição, ele só vai sair se for para ir a uma loja que promova algum tipo de experiência, ofereça entretenimento, ou possa falar com um vendedor bem treinado sobre origem e características de um produto.
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Apesar de estar cada vez mais omnichanel, o franchising é feito de lojas; então, é essencial agora saber como eu torno essas lojas cada vez mais relevantes para o consumidor. Como as lojas da NBA onde, mais do que comprar, o cliente pode vivenciar o mundo do basquete, com um museu que tem os tênis tamanho 60 do Shaquille O’ Neal, e jogar em uma quadra montada dentro da loja.
Ou a Reserva (de moda masculina, que foi considerada uma das marcas mais inovadoras do mundo pela revista americana Fast Company), onde o cliente pode até tomar uma cerveja enquanto é atendido pelo vendedor. Ambas são exemplos de lojas digitalizadsa e omnichannel que ainda oferecem uma experiência bacana para os seus clientes.
Aos poucos, as franquias brasileiras estão cada vez mais marcando presença no mercado externo. Com base em sua experiência como diretor internacional da ABF, dá pra dizer que esse processo já está consolidado?
Dá para dizer que hoje as marcas brasileiras passam por um intenso processo de profissionalização. A experiência internacional não é simples, demanda muito estudo, exige um bom capital e conhecimento do mercado local. Também demanda uma captação (de locais e franqueados) muito bem feita, além de um bom parceiro máster ou sócio, e tem que estar dentro de um planejamento estratégico de longo prazo. Mas já vejo muitas empresas amadurecendo nesse sentido, planejando sua internacionalização, estudando e até incentivando novas marcas a buscarem outros mercados.
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Em 2018, apenas três novas marcas foram para o exterior (de 142, em 2017, para 145). Mas a presença das franquias brasileiras aumentou de 100 para 114 países – o que mostra que elas estão tendo sucesso, senão não cresceriam. É esse track record (histórico) que atrai novos franqueados de outros países.
E os projetos de internacionalização da ABF, continuam?
Fazemos um trabalho contínuo nesse sentido, e fechamos um novo acordo do Projeto Frachising Brasil com a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) por mais dois anos (ele existe desde 2005). Nossas franquias não exportam só produtos, mas tecnologia, modelo de negócio, know how, marca, conceito…
Ainda não dá para crescer como no mercado nacional, onde a gente já conhece as leis. Mas dá para elas se tornarem grandiosas internacionalmente por esse DNA de expansão das redes, a exemplo de marcas como a Hope, a Casa do Construtor ou a Emagrecentro, que abriram lojas ou fizeram sua primeira incursão no mercado externo em 2018.
Pelo levantamento divulgado pela ABF recentemente, o total de marcas estrangeiras no Brasil caiu de 200, em 2017, para 190 em 2018. O que aconteceu? Como está o interesse dessas franquias no mercado brasileiro?
As marcas de fora tiraram o pé porque o mercado brasileiro passou por momentos conturbados em 2018. Foi um ano difícil, com greve dos caminhoneiros, Copa, uma eleição polarizada…O clima estava ruim. E mesmo nesse cenário, chegou uma nova marca, a americana Popeyes (de frango frito).
Mas depois que o cenário eleitoral foi definido, surgiu um norte, uma previsibilidade, uma sinalização para o mercado de como trabalhar e o que fazer. Tudo isso dá mais segurança para redes internacionais aportarem no Brasil, por isso acreditamos que em 2019 deve haver um fluxo maior dessas marcas por aqui.
A Lei de Franquias vai fazer 25 anos, mas mesmo assim ainda há muitos problemas na relação franqueado-franqueador que ainda acabam parando na Justiça. Como melhorar esse cenário?
Ele já melhorou muito, mas o ideal a fazer é uma seleção mútua. Eu, como franqueador, escolho melhor o perfil do franqueado, mais profissional. E eu, como franqueado, que dependo daquilo para viver, escolho as melhores redes para trabalhar. Para evitar problemas, o ideal é se antecipar a isso no processo seletivo, alinhar as expectativas entre as partes e entender o papel de cada uma, para que a relação seja a mais fluida e tranquila possível durante a vigência contratual. Não tem segredo.
FONTE: Diário do Comércio