Por Vitor França / Diário do Comércio
Economista. É professor universitário e consultor da Boanerges & Cia., especializada em varejo financeiro
Os benefícios econômicos da migração dos pagamentos para os meios eletrônicos, como maior praticidade e segurança para consumidores e lojistas, redução dos custos com transporte e armazenagem de valores, facilidade na fiscalização e arrecadação de impostos, entre outros, são indiscutíveis.
Não é à toa que, em países como Dinamarca, Holanda, Suécia e Islândia, por exemplo, o dinheiro em espécie está em vias de extinção e cada vez mais lojas desestimulam os pagamentos em papel-moeda.
No Brasil, contudo, apesar do forte crescimento do setor na última década, a baixa renda da população e o alto custo da operação de cartão para os lojistas ainda são obstáculos para expansão dos pagamentos eletrônicos.
O gráfico ao lado, no qual é apresentada a quantidade de maquininhas de cartão a cada mil habitantes – indicador para medir a cobertura de aceitação –, relacionando-a ao rendimento per capita de cada estado, sugere que, quanto menor a renda da região, menor a aceitação de cartões.
Ou seja, nos estados mais pobres são observados os menores números de maquininhas por habitante. São Paulo (SP), com a maior renda per capita do país, é o estado que registra a maior cobertura de aceitação de cartões. Maranhão (MA), com a menor renda, é o que apresenta o menor número de maquininhas por habitante.
O resultado vai ao encontro de pesquisa realizada pelo Sebrae em 2016 – apresentada ao lado –, segundo a qual as regiões Norte (N) e Nordeste (NE), exatamente onde se encontram os estados de menor renda per capita do país, são as que registram os menores níveis de aceitação de cartão entre micro e pequenas empresas – que representam, vale lembrar, a maior parte dos estabelecimentos do setor de comércio e serviços no país.
De acordo com a pesquisa, apenas 39% das micro e pequenas empresas brasileiras aceitam cartão, número que cai para 36% e 30% nas regiões Norte e Nordeste, respectivamente.
A explicação para a relação positiva entre nível de aceitação e renda é relativamente simples. A renda está relacionada diretamente ao consumo e à bancarização.
A população mais pobre, de maneira geral, tem menor acesso a produtos bancários, como cartões, por exemplo. Em regiões de menor renda, portanto, além de o consumo ser menor, menos consumidores utilizam cartão, o que desestimula a aceitação do meio de pagamento.
Isso porque, por um lado, as credenciadoras (donas das maquininhas) têm menor incentivo para credenciar estabelecimentos em regiões de menor renda, já que as receitas, diretamente relacionadas às vendas com cartão, podem não compensar os custos comerciais e operacionais.
De outro lado, diante da menor frequência de pagamentos eletrônicos, os custos dos lojistas para aceitar cartões podem não compensar eventuais incrementos nas vendas com meios eletrônicos.
A pesquisa do Sebrae, por exemplo, mostra que 56% das micro e pequenas empresas que não aceitam cartão tomaram a decisão por considerarem altas as taxas de desconto –pagas pelo estabelecimento sobre o valor de cada venda no cartão –e de antecipação de recebíveis. 54%, por sua vez, julgam elevado o custo da mensalidade ou da compra da maquininha.
No entanto, 73% passariam a aceitar cartão se recebessem o valor das vendas em um prazo menor – o prazo de recebimento médio de 30 dias das vendas no cartão de crédito, afinal, gera custos com juros –, enquanto 70% o fariam diante de uma redução das despesas com a compra ou o aluguel das maquininhas, com as taxas de desconto e com os juros da antecipação.
Mesmo entre as micro e pequenas empresas que aceitam cartão, questões relacionadas a custos foram apontadas como as principais oportunidades de melhoria dos serviços prestados pelas credenciadoras.
84% dos entrevistados apontaram a redução das taxas de desconto e de antecipação como melhorias importantes a serem realizadas. 81% destacaram a redução no custo de aquisição ou manutenção das maquininhas, enquanto 72% indicaram a redução no prazo de recebimento das vendas.
Dos 5% de estabelecimentos que pretendem parar de aceitar cartão, 80% disseram que o alto custo para manutençãodos serviços prestados pelas credenciadoras seria o principal motivo.
Mudanças recentes no mercado, como o fim da exclusividade entre credenciadoras e bandeiras – atualmente uma única maquininha está apta para aceitar as principais bandeiras nacionais e internacionais – têm contribuído para a queda das taxas pagas pelos lojistas.
Novos modelos em que o aluguel foi substituído pela compra da maquininha também viabilizaram o avanço da aceitação de cartões, especialmente entre microempreendedores individuais.
Avanços tecnológicos, por sua vez, poderão contribuir para acelerar o processo de transição dos pagamentos no Brasil, especialmente nas regiões mais pobres, seja incentivando a competição e reduzindo, com isso, as taxas, seja através do desenvolvimento de novos modelos de pagamento.
A queda acentuada da participação do dinheiro físico nas compras, por sinal, não é uma realidade apenas de países ricos como Holanda e Suécia. Em países da África como Quênia e Tanzânia, grande parte da população hoje realiza as compras através de celulares.
Na China, onde as compras sem dinheiro físico já respondem por 60% do total, a transição para os pagamentos digitais vem se dando de forma bastante rápida e dispensando, inclusive, o uso dos cartões.
Entre 2010 e 2015, a participação dos pagamentos digitais nas vendas do varejo chinês saltou de 3,5% para 17%, acompanhando também o crescimento do comércio eletrônico.
Em 2016, os pagamentos realizados com smartphones movimentaram expressivos 5,5 trilhões de dólares.
No Brasil, as mais de 6 milhões de micro e pequenas empresas, que respondem pela maior parte dos estabelecimentos comerciais e devem crescer em número nos próximos anos, acompanhando a flexibilização do mercado de trabalho e o avanço do empreendedorismo, representam, assim, uma grande oportunidade para novas –e mais baratas – soluções de pagamento digital.