Endividamento das famílias é o maior desde 2005. Comércio vai ficar com 30,2% da 2ª parcela do 13º salário, da ordem de R$ 94 bilhões, de acordo com a CNC
Por Fátima Fernandes
Jornalista especializada em economia e negócios e editora do site Varejo em Dia
A segunda parcela do 13º salário colocou nas mãos dos trabalhadores brasileiros cerca de R$ 94 bilhões neste mês.
A pergunta de comerciantes e prestadores de serviços é uma só: o consumidor vai gastar todo este dinheiro no final de ano?
De acordo com levantamento feito pela CNC (Confederação Nacional do Comércio), a maior parte deste valor, ou 30,3%, vai ser usada para pagamento de dívidas.
Os gastos no comércio ficam com a fatia de 30,2% e em serviços, com 29,4%. Cerca de 10% do montante vão para a poupança ou gastos futuros.
Na mesma pesquisa feita no ano passado, o comércio ficou com a maior participação (30,8%), seguido de serviços (28,8%), dívidas (25%) e poupança (15,4%).
“O consumidor vai usar mais o dinheiro para pagar dívidas simplesmente porque ele está mais endividado neste ano”, afirma Fábio Bentes, economista da CNC.
O comprometimento do orçamento das famílias brasileiras com dívidas (em atraso ou não) era da ordem de 44% em outubro, de acordo com dados do Banco Central.
Este percentual é o maior da serie histórica do BC, iniciada em 2005. Em outubro de 2019, este percentual era de 40%.
“A consequência é que o comércio, além de sofrer com os efeitos da pandemia, será penalizado neste final de ano com o maior endividamento das famílias”, diz.
É fato também, de acordo com Bentes, que este endividamento se deve à antecipação de gastos dos consumidores, como compras feitas durante a Black Friday.
BOM RETIRO
A cautela nas compras é confirmada por lojistas de um dos polos comerciais mais tradicionais de São Paulo, localizado no bairro do Bom Retiro.
A pandemia e o endividamento das famílias paralisaram o comércio, de acordo com Nelson Tranquez, vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Bom Retiro.
O comércio sentiu algum respiro, diz ele, em novembro, mas, neste mês, voltou a registrar queda acentuada de vendas, mesmo com a proximidade do Natal.
O lugar de maior movimento de consumidores que ele tem notícia é a região do Largo da Concórdia, no Brás, e ainda restrito aos camelôs. “As lojas estão calmas”, diz.
A região da Rua 25 de Março, no centro de São Paulo, também tem registrado alto movimento de pessoas e aglomerações, de acordo com lojistas.
No Bom Retiro, diz Tranquez, o faturamento das lojas neste mês deverá ser pelo menos 40% menor, em média, do que o de igual período do ano passado.
“Com o aumento de casos e mortes, muitos clientes que deveriam vir para as compras de Natal sumiram”, diz ele.
LAPA
Algumas ações tentam minimizar os problemas enfrentados pelo comércio neste final de ano.
A pedido de lojistas, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), por meio da Distrital Oeste, conseguiu autorização da Secretaria de Mobilidade e Transportes de São Paulo para fechar parte de ruas tradicionais de comércio na Lapa.
De 19 a 31 deste mês, foram fechados trechos das ruas 12 de Outubro e Dr. Cincinato Pomponet, onde se concentra o comércio mais popular da região.
“Os lojistas solicitaram e nós conseguimos a aprovação em dois dias”, afirma Mário Martinelli, superintendente da Distrital Oeste da ACSP.
“Isso pode trazer algum respiro para os lojistas, facilitando o acesso dos consumidores”, diz ele.
O comércio da região da Rua 12 de Outubro é um dos mais tradicionais de São Paulo.
Concentra grandes redes, como Casas Bahia, Magazine Luiza e Americanas, médias, como Lojas Eskala e Gabriella Calçados, além de pequenos comerciantes.
Há muito tempo os lojistas pedem autorização da Prefeitura de São Paulo para transformar definitivamente alguns trechos da região em calçadões.
Agora, com parte das ruas fechada, os lojistas vão sentir no caixa se as ruas livres de carros atraem mais cientes.
O fechamento de lojas de rua e de shoppings entre os dias 25 e 27 de dezembro e 1 a 3 de janeiro determinado pelo governo paulista já é considerada uma ação para prejudicar o comércio.
“Entendemos que as medidas para salvar vidas são necessárias, mas não será o comércio fechado desta forma abrupta que irá solucionar a disseminação do vírus”, afirma nota divulgada pela ABLOS, associação de lojas satélites de shoppings.
AUXÍLIO EMERGENCIAL
A situação dos lojistas neste ano seria ainda pior, se o governo não tivesse liberado o auxílio emergencial para as famílias mais carentes.
Apesar da crise que o país enfrenta, a massa real de rendimento dos trabalhadores brasileiros deve subir 0,8% neste ano em relação ao ano passado.
Deve passar de uma média de R$ 229 bilhões por mês para R$ 230,9 bilhões por mês.
Sem o auxílio, a massa real de rendimento cairia 7%, para R$ 213 bilhões por mês, em 2020.
Os cálculos são de Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores.
Neste mês, R$ 20 bilhões irão para as mãos dos consumidores, somente com o auxílio emergencial.
“Sem o auxílio emergencial, os índices de endividamento e de inadimplência dos consumidores seriam muito maiores”, afirma Silveira.
Os programas de transferência de renda, diz ele, são fundamentais em momentos de crise, até para reduzir o risco de uma convulsão social.
O pior é que o mês de janeiro, que é um dos mais fracos para o comércio, não deve registrar recuperação, de acordo com lojistas.
A expectativa de médicos e cientistas é que os números da doença serão ainda piores por conta das aglomerações realizadas nas festas deste final de ano.
“O divisor de águas para o comércio vai ser a vacina. É o que fará o comércio andar”, diz Tranquez.
FONTE: Diário do Comércio