Por Vitor França 03 de Fevereiro de 2019 às 18:58
| Economista da Boa Vista SCPC
Com Flávio Calife, economista da Boa Vista
Surfando na onda do desafio dos dez anos que agitou as redes sociais nas últimas semanas, realizamos um levantamento, a partir dos dados da Pesquisa Mensal do Comércio do IBGE, para avaliar a evolução das vendas do comércio varejista, por setor de atividade, entre 2008 e 2018.
As vendas do varejo, é importante ressaltar, estão sempre sujeitas à conjuntura econômica, de forma que é comum observar variações significativas em períodos curtos de tempo.
No período analisado, em particular, elas foram fortemente afetadas pela crise internacional de 2008 e 2009 e pela recessão brasileira de 2015 e 2016.
Ainda assim, a partir da comparação entre o movimento do comércio hoje e há dez anos, os dados do IBGE permitem constatações interessantes, que apontam para importantes mudanças estruturais na dinâmica setorial do varejo brasileiro.
Em apenas dois dos nove setores analisados é observado um movimento do comércio inferior ao de 2008. Não surpreende que o maior recuo (-19,4%) tenha sido registrado no segmento de livros, jornais, revistas e papelaria, talvez a maior vítima da revolução digital e da ascensão dos smartphones –entre 2012 e 2017, saltou de 14% para 67% o percentual da população brasileira que utiliza smartphones, segundo pesquisa Google Consumer Barometer Brazil.
A tendência de queda das vendas observada desde 2013 foi agravada em 2018 pela crise financeira e pelo fechamento de lojas de grandes redes varejistas do setor –apenas no ano passado, até novembro, as vendas do segmento recuaram 13,6% em relação ao mesmo período de 2017.
Já a ligeira queda observada nas vendas de combustíveis e lubrificantes (-0,6%) pode ser atribuída em parte ao aumento dos preços – de 76% em dez anos.
Inovações tecnológicas e mudanças de comportamento do consumidor também podem ter contribuído para essa redução.
Ao menos na Grande São Paulo, de acordo com a Pesquisa Origem Destino do Metrô, os deslocamentos por metrô, trens e aplicativos ganharam espaço na matriz de transporte entre 2007 e 2017, enquanto a participação dos deslocamentos por automóvel próprio ficou estável.
Essas mudanças também podem estar por trás do desempenho relativamente mais fraco do varejo de veículos e peças.
Enquanto o comércio varejista como um todo registrou crescimento de 27,9% em dez anos, as vendas de veículos e peças em 2018 foram somente 9,8% superiores às registradas em 2008.
Outro indício da transformação em curso nessa área aparece nos dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), segundo os quais a média mensal de emissão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) caiu 32% entre 2014 e 2018, de cerca de 250 mil para cerca de 170 mil documentos.
Com o avanço dos aplicativos de transporte e as mudanças dos hábitos de locomoção, especialmente entre as novas gerações, parece estar diminuindo o interesse pela habilitação – e também pela aquisição de veículos.
Vale ressaltar, contudo, que o segmento foi um dos mais afetados pela crise recente. Por se tratarem de bens cujo preço é elevado, as vendas dependem principalmente das condições de financiamento e da disposição dos consumidores a assumirem novas dívidas.
Após quase quatro anos consecutivos de retração, somente no ano passado as vendas de veículos voltaram a registrar crescimento expressivo.
Tanto se falou aqui em avanços tecnológicos e mudança de comportamento do consumidor que também não chega a surpreender a alta de 62,4% do volume de vendas de equipamentos de informática e comunicação em dez anos.
O segmento, entretanto, não é o que registrou o maior crescimento no período, ficando atrás do ramo de farmácias, cosméticos e perfumarias, cujas vendas praticamente dobraram entre 2008 e 2018 (alta de 99,7%).
Explicam esse aumento fatores como a preocupação crescente dos consumidores com a saúde, estética e bem-estar e o processo de envelhecimento populacional e aumento da expectativa de vida observado no país.
Com o envelhecimento populacional, tende a crescer a incidência de doenças crônicas – que exigem cuidados continuados – e, com isso, a demanda por medicamentos.
Segundo o IBGE, a participação de idosos (indivíduos com 60 anos ou mais) saltou de 8,2% da população em 2000 para 9,5% em 2008, 13,4% em 2018 e deve alcançar 18% nos próximos dez anos.
É verdade que, de maneira geral, as vendas do varejo dependem da evolução do emprego, da renda e das condições de financiamento na economia.
As diferenças no desempenho setorial apontada pelo desafio dos dez anos, contudo, parecem espelhar mudanças mais profundas na sociedade e no comportamento dos consumidores.
Bom para alguns setores, que acabam favorecidos por essas mudanças. Desafio para outros, que muitas vezes precisam se reinventar para se adaptarem aos novos tempos.
FONTE: Diário do Comércio