Diante de muitos desafios práticos, regulatórios e conceituais, a ideia de smart city – ou cidades inteligentes – deve percorrer um longo caminho até chegar a seu ideal. Enquanto o universo acadêmico e especialistas debatem e trabalham esse conceito, governantes correm em busca desse título, tendo como premissa a aquisição de tecnologia. Mas não deveria ser assim.
Pesquisador do tema, Wilson Levy, advogado e doutor em direito urbanístico e diretor do PPG em cidades inteligentes e sustentáveis da Uninove, diz que a despeito do imaginário popular, reduzir o conceito de cidades inteligentes a um catálogo tecnológico apenas aproxima esse objetivo de um vitrinismo comercial muito distante dos elementos realmente necessários para se criar uma cidade que funcione de forma inteligente.
Na última quinta-feira (28/10), o especialista falou sobre o assunto durante reunião do Conselho de Política Urbana (CPU), Núcleo de Estudos Urbanos (NEU) e Núcleo de Estudos Socioambientais (NESA) da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
Segundo o especialista, bons sistemas de saúde, transporte, saneamento básico, acessibilidade ao mercado de trabalho e serviços são bases para as smart cities, e podem ser alcançadas sem aplicativos ou centrais de comando. “Os governantes insistem em acreditar na compra de tecnologia como solução e reclassificação. Cidades inteligentes não precisam ser tecnológicas”, disse Levy.
Tendo todas as demandas mapeadas é mais fácil entender o que toda essa tecnologia pode trazer na prática para melhorar a qualidade de vida das cidades.
De acordo com projeções da ONU, 68% da população mundial viverá em áreas urbanas até 2050. Entretanto, a discussão sobre o tema ainda é precária e cheia de vieses, na opinião de Levy. Torná-la mais atraente ao cidadão comum, que em geral é quem mais sofre com as dificuldades da urbanização, e incorporar uma reflexão crítica pode ajudar a disseminar melhor o impacto das decisões públicas no cotidiano.
Para Elias de Souza, advogado, sócio da Deloitte no Brasil e professor convidado da Escola Politécnica da USP, as cidades inteligentes devem contar com parcerias colaborativas que proponham soluções unificadas para o trabalho, a escola, a saúde e o lazer dos habitantes.
No cenário internacional, o especialista citou a Índia, que concentra investimentos em âmbito nacional em oito áreas prioritárias, além de oferecer programa de incentivo às cidades inteligentes e disponibilizar tecnologias voltadas a digitalização do governo.
“Smart cities são aquelas que têm as pessoas como centro das discussões. É aquela que pensa de que forma a tecnologia pode contribuir e entregar serviços mais eficientes para o cidadão”, diz Souza.
Em sua visão, há várias tentativas de cidades inteligentes pelo mundo, como o conceito de “cidade de 15 minutos”, da prefeitura de Paris, que pretende acabar com a necessidade de carros ao organizar as estruturas urbanas a uma distância possível de se acessar caminhando. Entre as iniciativas estão a construção de escritórios em bairros onde há escassez de trabalho, transformação de estacionamentos ociosos em florestas urbanas e o incentivo ao uso de bicicletas.
No Brasil, Levy e Souza são unânimes ao dizer que a dificuldade de executar propostas inovadoras como a de Paris é atribuída ao poder público – altamente burocrático e com processos antigos de licitação sem foco na população.
Além disso, Levy indica que tal como está, a cidade induz um determinado padrão de interação social que impossibilita ou dificulta outras formas de relação. “As relações não surgem na cidade, mas sim por causa da cidade. E essa relação de causa e efeito tem enorme significado, pois desloca para a urbanização um papel ativo nos grandes acontecimentos do mundo.”
Ao expor essa situação, Levy e Souza destacam algumas características de uma cidade inteligente: incentivo à mobilidade eficiente e sustentável, novas tecnologias para melhorar a vida da população, áreas urbanas de convivência, inovação nos serviços públicos, menor desperdício nas mais diversas esferas e incentivo ao desenvolvimento urbano com foco no cidadão.
FONTE: Diário do Comércio